Crônica, Maternidade, Relacionamento com Estrangeiro, Vida Na Irlanda

O Esteriótipo e o completo desfavor que ele nos faz.

A minha família, recentemente passou por uma grande mudança.

A empresa em que o Rosinha trabalhava nos últimos 16 anos, fechou, no final do ano passado.

O último dia de trabalho dele, foi no mesmo dia, do meu primeiro dia de trabalho.

Dia 30 de novembro.

Perto demais do Natal, perto demais das férias escolares, perto demais dos dias frios e escuros.
Dentro de mim, um misto de sentimentos.
Felicidade em voltar a trabalhar e um pouco de tristeza pelo Rosinha.

Não é fácil perder o emprego.
Mesmo quando você sabe que isso vai acontecer, a muito tempo, como era no nosso caso.

Trocamos de papel.
Ou quase isso.

Voltei a trabalhar, não por necessidade, meu dinheiro não era (e nem daria) para sustentar nossa família e esse também não era o meu objetivo.
Eu não sou mulher de ficar em casa me lamentando, a responsabilidade de criar nossos filhos é de nós dois.
Eu vi no desemprego dele a oportunidade de testar a minha capacidade em fazer mais do que eu fiz nesses 8 anos, em um outro ambiente.

Eu adorava meu trabalho.
Adorava a minha empresa e colegas.

Rosinha passava as manhãs fazendo o que pessoas que querem voltar a trabalhar fazem, todos os dias.
Curriculos, entrevistas, apresentações, processos, negociações e tudo aquilo que faz parte do processo exaustivo de procura de emprego.
A tarde nos dividíamos entre as tarefas com as crianças.
Foi um tempo enriquecedor para o relacionamento deles.

Emocionalmente eu estava bem, mas devo confessar que era difícil vê-lo desempenhando uma função que ele era de fato bom, mas , que não foi preparado socialmente a desempenhar de maneira integral.

Seria mentira se te falasse que ele não ficava um pouco incomodado com o fato de eu estar trabalhando fora e ele “em casa”, não que ele não desse valor ao trabalho que desempenhei por tantos anos, mas porque a sociedade ainda espera, que venha do homem o sustento da família, mesmo que o melhor sinônimo de casamento seja parceria, os papeis estão bem impregnados na sociedade no quesito “quem faz o quê”e é difícil sair dessa zona de conforto e remar contra a maré.

Eventualmente, ele voltou ao mercado de trabalho.

Eu, como você já sabe, não consegui conciliar o meu e por ter o salário infinitamente inferior, resolvi, por forças das circunstâncias, sair.
Eu poderia ter ficado, mas como você já tá cansada de me ouvir dizer: Eu amo ser housewife.

O engraçado, é que agora que essa experiência está no passado eu consigo analisar claramente o período que a gente viveu.

Antes, eu que achava que a Irlanda era um País muito mais evoluído do que o Brasil em situações como essa, fiquei um pouco confusa e surpresa em constatar que para se quebrar esteriótipos é preciso muito mais do que um século.

Na Irlanda, mais até do que no Brasil, a gente vê, um ou outro casal, onde a esposa tem um salário maior do que o do marido e eles decidem abertamente, quem será o responsável pelos cuidados com a casa, acho fantástico e maduro, conseguir passar por olhares de julgamento não só de desconhecidos, na entrada e saída da escola, mas principalmente da família e de si próprio, sem se abalar.

Olha lá, um vagabundo, explorador de mulher! Não sei como ela aguenta isso!

O lado positivo de ter passado por esse período é que estou trabalhando esse comportamento dentro de mim, para que a geração dos meus filhos, consiga reconhecer que a mulher tem a mesma capacidade intelectual de prover financeiramente e o homem a de exercer a paternidade em sua plenitude, mesmo que isso signifique abrir mão de um trabalho “convencional” se assim for de escolha e/ou necessidade do casal.

Agora, relendo esse texto, escrito por mim, vejo várias justificativas irrelevantes ao nosso caso.
Eu não precisaria, reiterar que não viveríamos do meu salário, por exemplo, mas quando escrevi, senti a necessidade de “proteger” a masculinidade e a capacidade intelectual do meu marido como provedor.
E também não precisaria dizer que escolhi ficar em casa porque eu gosto de ser mãe em período integral.
Eu poderia simplesmente, dizer que decidi ficar em casa, não há problema nenhum em “ficar em casa” cuidando dos filhos.

O fato é, que a sociedade só estará preparada para esse tipo de acordo familiar quando a gente não sentir mais a vontade ou necessidade de se justificar.

Um salve para aqueles que fazem o que querem.

Eu achava que fazia, mas na verdade, ainda tô aprendendo.

2 Comments

  1. Falou muito bem!! Infelizmente eu ouço quase diariamente esses pre-conceitos sobre nós mulheres – a que mais ouço: ser housewife ou mãe em tempo integral ou mesmo parcial é não ter ambição na vida… yikes!

    Beijos Ká!

  2. Sensacional esse texto, Karine. Parabens!

Deixe uma resposta